O Programa de Saúde Reprodutiva retomou há algumas semanas as suas ações com vista ao reforço do acesso de mães em comunidades mais distantes das capitais distritais aos seus serviços.
Com a clínica móvel, as equipas estiveram em Angra Toldo, Boa Entrada, Praia das Conchas / Roça e Santa Catarina.
Os serviços prestados abarcaram pesagem e vacinação de crianças, atendimento às grávidas e consultas de planeamento familiar.
Em Santa Catarina, por exemplo, Juleide das Neves de 19 anos vivencia a primeira gravidez. Não tem feito consultas de forma regular, nem tomado a medicação receitada, por falta de dinheiro. Não trabalha. Vive em casa da sogra. O companheiro viajou.
A enfermeira aconselhou-a a fazer planeamento, cerca de dois meses após o parto, apesar da ausência do companheiro, para evitar uma nova gravidez, caso viaje para ir ter com ele.
Quanto ao planeamento familiar, só houve um caso. “Têm vergonha, porque o companheiro pode ser informado e criar problemas. Algumas estão a fazer sem o conhecimento do parceiro”, explicou a responsável de Saúde Reprodutiva do distrito de Lembá.
“Algumas mães reclamaram, que não têm feito ecografia. Aqui não temos muito tempo disponível. Temos um ecógrafo em Neves oferecido pelo UNFPA. Fazemos ecografias regularmente às quartas e sextas e, excecionalmente, às quintas-feiras. Elas sabem deste calendário. O problema é ter meios para pagar o transporte e fazer este exame em Neves”, declarou a enfermeira Alexandrina Rodrigues.
Na Praia das Conchas/Roça, Maria Tomé, 42 anos, decidiu fazer planeamento, porque “o número de filhos que tenho já é suficiente”. São cinco com 19, 17, 13, 10 e um bebé de 11 meses. As quatro mais velhas são do mesmo pai.
É agricultora e quando pode faz outro negócio. “A vida está difícil. Não há emprego. Com cinco crianças. Menos mal, que recebo este dinheiro que o governo tem dado cada dois meses de apoio às famílias carenciadas. Enquanto este dinheiro não chega é complicado, com as despesas da escola. Depois, o pai das quatro primeiras não ajuda, desde a nossa separação”, desabafou.
Por sua vez, Luísa Fernandes, mais conhecida por Minga, de Boa Entrada, defende ferverosamente que as mulheres devem fazer planeamento.
“Pobre não pode parir bué, porque não tem condições. Isso de que filho é riqueza de pobre é errado. Pobre é para ter dois filhos, no máximo”, declarou. E, segundo ela, o procedimento devia estender-se aos homens.
“Deveria haver método – comprimidos - para homem também. Homem não está a usar camisinha. A mulher sempre é que fica mal. Geralmente, ela é que assume o compromisso de criar os filhos. Separei do pai dos primeiros quatro filhos, há muito tempo. Mas a responsabilidade ainda é comigo, mesmo com aqueles que já me deram netos. Aqui, em minha casa, vivem três adultos e um garoto. Mas está sempre cheio, porque todos os meus filhos ficam comigo”, exemplifica.
Com 43 anos, foram quatro partos e cinco filhos. Três meninas e dois rapazes. Quatro são do mesmo pai.
“Graças a Deus apareceu o planeamento familiar. Antes de eu conhecer os métodos, comecei a parir mal. Um encima de outro. A primeira tem 23 anos, a segunda, 20. Depois de ter acesso aos métodos, tive o terceiro com uma diferença de seis anos. Comecei a tomar comprimido. Depois mudei para injeção cada 3 meses e agora faço o implante de 5 anos. Não tinha como!”, explicou Minga.
Orgulha-se de ter feito parte do primeiro grupo que aderiu ao implante de 5 anos.
“Não me fez mal. No último caso, vou tomar o de dez anos. Já não tenho idade para continuar a parir, nem condições para criar filhos. Já tenho três netos. Parir cedo, dá muita criança. E quando estão todos juntos aqui em casa, é família, mas muita dor de cabeça. E o meu companheiro ajuda”, acrescenta na entrada do seu quiosque, no rés-do-chão da sua residência.
Aconselhou as jovens a fazer planeamento, porque “a coisa não está bem! Como pobre tem muitos filhos, o país está assim. Quem tem condições, não faz muitos filhos. Há homens que estão a fazer filhos de abuso. Não estão presentes. Nós, as mães levantamos de madrugada para ir vender em Bobô Forro, enquanto homem anda a espalhar filho”, reclama.
“Meu pai gerou muitos filhos, mas não me criou. Ele abandonou a minha mãe e ela não me largou. Quando tinha 30 anos e já com quatro filhos, é que o meu pai decidiu registar-me. É abuso!”, disse revoltada com o comportamento de uma grande parte de homens.
Observadora atenta do que se passa na sua comunidade constatou que várias raparigas na Boa Entrada começam a parir com 14 anos.
“Se com um homem não dá, deixam, pegam outro. Se este quer filho, elas dão. Aconselho-as a utilizar o implante de 5 anos, como método”, insiste.
Entretanto, naquela localidade, “a maioria das mulheres – mais de metade - faz planeamento familiar”, sublinhou o enfermeiro Osmildo Neto.
Maria Luzia foi mais uma. Tem 42 anos e cinco filhos e pretende parar. “Já é suficiente”, admitiu.
“Apresentamos os vários métodos disponíveis e ela escolheu Depo-provera, que é a injeção aplicada cada 3 meses”, explicou o enfermeiro.
“Duas grávidas de três meses, que nunca tinham feito consultas pré-natal foram igualmente atendidas, pela primeira vez”. Por outro lado, “fomos de porta em porta e verificamos as fichas das crianças e todas têm as vacinas em dia”, acrescentou.
O programa de reforço do acesso aos serviços de Saúde Reprodutiva vai continuar. Recorde-se que três clínicas móveis adquiridas no âmbito da cooperação com a Índia estão disponíveis para a prestação deste tipo de serviço.