As notícias sobre o abuso de menores e violência sexual têm sido constantes nos últimos tempos na comunicação social santomense. Na opinião de alguns especialistas, é fruto de um aumento de denúncias desse tipo de crime que sempre existiu.
Segundo o Ministério Público, em 2021 foram registados, ao nível nacional, cerca de 250 inquéritos relacionados com a criminalidade sexual. Aproximadamente 100 desses casos afetam menores. Contudo, na perspetiva da instituição, estes números “não significam que “todos os casos da criminalidade sexual contra menores tenham sido denunciados”.
Porém, o aumento de cerca de 20% de ilícitos participados em 2021 pode ser um indicador de que existe uma maior consciência e coragem das vítimas e de seus familiares. O fenómeno preocupa vários sectores da sociedade.
Organizações da sociedade civil engajadas na defesa dos direitos da mulher continuam com ações de sensibilização e de advocacia. Entre elas, foi realizada a II Conferência Nacional de Prevenção e Combate à Violência Sexual.
A representante da Plataforma da Sociedade Civil contra a violência sexual sublinhou que “atravessamos tempos difíceis no que concerne à violência sexual em São Tomé e Príncipe, que se tem convertido em danos profundos causados às famílias e a toda sociedade. Uma sociedade fragilizada pela dor, revolta e insegurança”.
“Assistimos, no entanto, a progressos no que tange à sensibilização, à tentativa de resolução dos problemas dessa mesma sociedade que reclama por ajuda”, acrescentou Raquel Moreno.
“É tempo de erradicar a violência sexual e de eliminar o sofrimento causado pela mesma nas nossas comunidades, na nossa casa, São Tomé e Príncipe, destacou.
Para o Procurador Geral da República, com o aumento da punição, a criação de planos de prevenção e repressão e o fomento de painéis de debates e discussão, “o Estado deu às vítimas o sinal de que estaria em condições de as proteger, o que aumenta o número de casos conhecidos”.
“É necessário ainda mais concretizações, nomeadamente a declaração para memória futura das vítimas de crimes sexuais, por forma reduzir-se o pesadelo que é para as mesmas a ação penal”, admitiu Kelve de Carvalho.
Por outro lado, há “necessidade de se garantir, através de exames forenses por peritos médicos e especialistas, elementos de prova bastantes para a condenação dos meliantes; o acompanhamento psicológico das vítimas, bem como a determinação legal de um estatuto protetor das vítimas deste flagelo criminogénio”, acrescentou.
Carvalho entende também que ao Ministério Público “cabe contribuir de uma forma decisiva para a efetiva adequação da legislação à prática vivida. É, por isso, necessário criar uma especialização neste campo.”
O Ministério Público já tem uma secção do DIAP com um magistrado especializado para lidar com o combate da criminalidade sexual.
Por sua vez, a responsável do Escritório do UNFPA, em representação do Coordenador Residente, Eric Overvest, recordou que “as agências das Nações Unidas, e não falo apenas em São Tomé e Príncipe, através dos seus programas, têm contribuído nas várias intervenções que visam combater a violência sexual.
“São Tomé e Príncipe tem assinado e ratificado todos os tratados e convenções internacionais alusivos à Violência sexual contra crianças, como contra as mulheres. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2013, uma em cada três mulheres foi espancada, coagida a fazer sexo ou abusada de alguma outra forma - na maioria das vezes por alguém que ela conhece. E uma em cada cinco mulheres foi abusada sexualmente quando criança. Verdadeiramente trágico estes números.
Ou seja, este números evidenciam que esta prática é um fenómeno que atravessa o tempo e infelizmente as sociedades em todo o mundo”, disse Victória d’Alva.
A responsável insistiu nesta proposta: “só conseguiremos travar este combate em conjunto e com a redinamização da Rede Viva seria fundamental. Ações já estão em curso nesse sentido”.
Através dela “formaliza-se a parceria entre as várias instituições do Estado e a sociedade civil. O que permite termos uma perceção real e holística do fenómeno e permite uma resposta conjunta e articulada. E a nós parceiros internacionais permite poder apoiar de uma forma mais expressiva e com maiores resultados”, explicou.
O ministro da Justiça, Administração Interna e Direitos Humanos na abertura da conferência exortou mais uma vez a “quem for vítima de violência sexual ou tiver conhecimento deste ato macabro deve participar a situação aos órgãos competentes, nomeadamente o comando policial mais próximo, Polícia Judiciária, Ministério Público e instituições afins”.
Cílcio dos Santos recordou um conjunto de medidas e ações tendentes à melhoria da situação, como a alteração do Código Penal nos crimes contra a autodeterminação sexual, com ênfase no agravamento das penas; enquadramento público quanto à tipologia desta estirpe criminal, conceção e feitura do protocolo de procedimentos de atendimento e seguimento das vítimas de abuso e violência sexual, maus tratos e abandono, definição e alocação de um Centro de Acolhimento para as mesmas. Instituímos uma Linha Verde de atendimento e orientação às vítimas, especialização de profissionais de saúde em medicina legal e adquisição de equipamentos para o efeito.
Contudo, “continuamos a trabalhar na reforma da legislação penal e outras, sobretudo no que tange à proteção da vítima e depoimento para a memória futura, repelindo possíveis constrangimentos e traumas. Estamos empenhados e determinados em prosseguir com medidas e ações que nos permitam debelar este flagelo que assombra a nossa sociedade em geral e, em particular, condiciona o crescimento equilibrado e saudável das nossas crianças, adolescentes e jovens”, ressaltou o dirigente.
Estiveram ainda presentes na conferência, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Família, Adlander Matos, representantes de instituições públicas e ONG’s que lidam com esta problemática.
No encontro abordou-se e debateu-se ainda temas como “Violência Sexual: Casos e possíveis soluções”; “As melhorias observadas no combate deste crime”; “O quadro legal: aas alterações ao Código Penal e as lacunas existentes na lei” e “As ações realizadas pelo Ministério da Justiça no combate ao abuso sexual”.
A Plataforma da Sociedade Civil contra a Violência Sexual e a SOS Mulher pretendem que 12 de maio seja institucionalizado “Dia Nacional de Prevenção e Combate à Violência Sexual”. Entregaram na Assembleia Nacional uma petição com cerca de sete mil assinaturas com este propósito. O assunto foi para a plenária, mas não colheu consenso entre as bancadas e foi retirado.
A data proposta recorda o homicídio de uma mulher e duas filhas menores no distrito de Mé-Zóchi, em 2016.